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NOSSA, QUE LÍNGUA ANIMAL!

Eu comecei a escrever este artigo em abril. Parei porque o tema era complicado, e não me arrependi por ter perdido tempo, porque em meados de maio li um artigo que me fez sorrir e tremer: Chomsky e outros grandes estudiosos refutam as teorias sobre a origem da linguagem  que pretendem explicar a evolução da linguagem, criticando as abordagens computacionais, assim como as neodarwinistas; as teorias da linguagem artificial, assim como a genética comparativa: não se sabe como surgiu a linguagem.

A arte de sorrir
Meu filho adora o mundo animal e tem os animais em grande consideração. Um dia perguntei para ele: quais são, na sua opinião, as diferenças entre os animais e nós, humanos? Do alto dos seus oito anos ele respondeu: hum... os animais geralmente caminham usando quatro patas, nós, não; os animais têm rabo, nós, não. E o que mais? - eu quis saber. Mais nada, ele me disse. Como nada? - contestei - Nós falamos, os animais, não... Então ele me contestou: Os animais falam, sim, mamãe, somos nós que não entendemos a língua deles.

O dom de tremer 1
Quando leio textos que ridicularizam estudantes e pessoas simples, que não tiveram oportunidade de sedimentar uma educação formal adequada, tremo. Leio nessas manisfestações o perigoso vírus da arrogância social que reconhece como única forma de comunicação aceitável a forma de comunicação das elites. Que nem sempre é a forma culta e pura... E isso é bom, porque uma forma culta e pura, cristalizada, morre. A forma de comunicação das elites culturais conservadoras (que citam de boca cheia a gramática normativa) com frequência está cheia de neologismos, é viva e em fase de evolução, sem perceber. Prova? Basta abrir uma gramática de Napoleão Mendes de Almeida e comparar os exemplos que dá ao uso culto que fazemos hoje da nossa língua. Tremo porque temo a arrogância: a língua, ainda bem, segue outras lógicas.

O dom de tremer 2
Quando leio textos de pessoas que representam as categorias influentes da nossa sociedade, tremo. A nossa imprensa, os artigos jornalísticos, os discursos oficiais, estão cheios de erros gramaticais e pragmáticos dignos de principiantes. O desleixo linguístico acelera transformações, mas também aumenta o preconceito: a língua é uma das esferas de luta pelo poder e, na guerra vil do erro menos martelado, os erros criativos das elites continuam a alimentar as mudanças e a evolução da língua. Esses dias, por exemplo, ouvi uma ministra afirmar, usando uma daqueles estruturas que doem nos meus ouvidos: "com esta obra vamos estar gerando...". Como assim? Esse futuro contínuo virou uma praga, todo mundo fala mal do povo, e depois dá nisso, fixa-se, porque entra no discurso oficial.

A mania do distanciamento
Talvez seja uma deformação profissional, paciência. Contudo, quando analiso erros "pobres" e erros "elitistas", não vejo diferença do ponto de vista da evolução da língua. A língua vive, porque se transforma, em ambas as situações, mas a diferença social entre os falantes, o conservadorismo da nossa sociedade, não favorece a inclusão social dos primeiros. Explico: tecnicamente falando, qual é a diferença entre "com esta obra vamos estar gerando", dito pela ministra, e "a ligação vai estar sendo encaminhada", dita pela atendente de uma central de atendimento? A diferença é que a última será ridicularizada pelo erro gramatical, a outra será vítima da crítica política, mas o seu discurso vai continuar se afirmando, na surdina. Não que eu tema as mudanças: neologismos (também estruturais) são parte da língua, são necessários para que a língua possa exprimir a evolução do mundo, da cultura, das ciências, da sociedade. Mas temo um pouco o desleixo, porque, usando um conceito banal e eficaz do Chacrinha, quem não se comunica (bem), se trumbica (deveria escrever "trombica", mas a forma "trumbica" consolidou-se independentemente da vontade dos gramáticos).
Temo o desleixo na língua, que é falta de capacidade de comunicação, falta de respeito pelo interlocutor, falta de boa vontade em transformar a fala em um momento significativo de troca cultural, social, política e científica. Temo porque meu filho tem razão: não entendemos a língua dos animais. Pior: não entendemos nem a língua de quem fala a nossa língua!



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