Como falar de língua materna em um país multicultural? Claro, a minha língua materna é o português. Mas a minha língua materna tem um colorido exótico, aquela brancura tão estranha nos trópicos. A minha língua materna tem o sabor daquelas tradições que já perderam a sintaxe e espalharam pelo idioma palavras soltas, como um colar de miçangas que arrebenta e esparrama as contas na areia: chimia, chucrute, quechimia, compota, cuca, clês... A minha língua materna é bronzeada, é um léxico contagiado pelo sol, adaptado às nossas latitudes. É um aportuguesamento, que denota a sua novidade; é a morte do velho, o desconhecido no seu lugar de origem. É ganho e é perda. O que mais impressiona na minha língua materna, porém, é a presença de um silêncio enorme, que diz muito sobre o que não gostamos de comentar. Uma das minhas bisavós morreu aos 101 anos. Cheguei a conhecê-la, tinha dez anos quando ela faleceu. Mas nunca a vi falar. Nunca. Quando íamos visitá-la, na casa de uma tia-avó, ela geralm...
Amor pela língua portuguesa